Permitam-me desviar um pouco do tema. Antes de percebermos o que acontece quando se grava um som, temos de ter a ideia da importância do som. Do ponto de vista físico, não é mais do que uma onda mecânica, longitudinal, que se propaga no espaço. Porém, no plano das ideias, numa dimensão metafórico-filosófica, pode ser mais do que isso.
O som acompanha o ser humano desde o momento em que este tem noção do que é Ser: a comunicação entre si, a música, os sons da Natureza, os rituais, tudo aquilo que reage ao nosso ouvido. Salvo excepções patológicas, imaginem um mundo sem som. Imaginem um mundo sem o som do rebentar das ondas, o palrear das aves, o rachar das árvores com o vento. Imaginem o mundo sem música, sem as cordas, sem a repercussão, sem a harmonia. Imaginem um mundo sem voz.
Em 1977 a NASA decidiu enviar duas sondas “irmãs” para os confins do Universo. As suas missões são registar e enviar o maior número de informações que conseguissem obter ao longo da sua jornada. Como é de esperar, não passarão muito mais longe do que a Nuvem de Oort, em direcção ao espaço interestelar, onde o campo gravitacional do Sol já não tem qualquer influência. Para aquilo que nos interessa, é curioso saber que em ambas essas sondas vai um disco de cobre revestido de ouro, com a respectiva agulha, cujo o nome é “Sons da Terra”. Nesse disco vão 115 imagens da Terra (incluindo uma imagem de pescadores), 55 saudações em diferentes línguas e excertos de músicas dos quatro cantos do Planeta Azul.
Que necessidade é esta que temos de imortalizar o som? Que necessidade é esta que temos de expandir o nosso som por mais longe possível no tempo e no espaço? É algum complexo narcisista inato ao ser humano? Medo de cairmos no abismo do esquecimento? Necessidade de afirmarmo-nos enquanto espécie? Penso que é certo que o som tem um alcance superior à realidade física. O som, podemos dizer com certeza, simboliza a Vida. Não são sinónimos, todavia, onde há som, há movimento, potencial, conforto, dimensão espacial/temporal. Em jeito de finalização, apenas digo: no dia em que não existir som no Universo, potencialmente é porque este já não existe da forma como o conhecemos. Façamos então silêncio para ouvir.