Redes sociais e seus reflexos emocionais e psíquicos nas relações humanas

“Alcançamos o computador subjectivo. Os computadores não se limitam a fazer coisas por nós, fazem-nos coisas a nós, incluindo às nossas formas de pensar acerca de nós próprios e das outras pessoas. Hoje (…) as pessoas recorrem explicitamente aos computadores em busca de experiências que possam alterar as suas maneiras de pensar ou afectar a sua vida social ou emocional. Quando as pessoas exploram jogos de simulação e mundos de fantasia ou acedem a uma comunidade onde têm amigos e amantes virtuais, não estão a pensar no computador como (…) maquinismo analítico. Procuram no computador (…) uma máquina intimista”. in Turkle, Sherry “A vida no ecrã: a identidade na era da Internet”, Relógio d’Água, Lisboa, 1997

Esta reflexão de Sherry Turkle em torno dos reflexos sociais, psicológicos e emocionais do uso do computador permanece actualizada e assume redobrada pertinência dezoito anos após a sua publicação, numa sociedade claramente marcada pela “informatização” ou mediação digital nas relações humanas.

Na presente exposição, passo a considerar o crescente uso das redes sociais como paradigmático desse recurso ao computador em busca de experiências susceptíveis de afectarem a vida social ou emocional, de que fala a autora referida supra. Se em muitas situações a ligação contínua ao facebook é uma das formas mais completas e eficazes de estabelecer relação com o outro – alguém que está do outro lado do mundo, por exemplo (estou a lembrar-me de uma pessoa que todos os dias publica fotos de quase tudo o que faz, na tentativa de diminuir a distância de milhares de km que a separa da mãe) – em muitos outros pode traduzir-se numa certa alienação da realidade não virtual.

Sem querer moralizar e diabolizar os diversos usos que são feitos do facebook, considero ser relevante reflectir sobre alguns efeitos psíquicos e emocionais da forma talvez subversiva com que muitos utilizadores encaram a lógica de estar conectado com todos a qualquer momento, subjacente à difusão das redes sociais. Estas oferecem grandes facilidades de interagir com qualquer pessoa a qualquer hora do dia – essa é uma realidade cada vez mais presente, muito em virtude das aplicações criadas para os dispositivos móveis – independentemente do lugar em que se encontre, bem como de ter acesso a uma considerável quantidade de informação sobre a pessoa em causa, seja através da partilha de fotos, de estados de espírito ou da música, dos filmes, dos itens das mais diversas áreas de que se gosta. Se isto é verdade, não podemos deixar de reconhecer que este modelo de interacção está longe de reunir todas as potencialidades comunicativas do modelo tradicional “cara a cara”.

Desde logo, como é evidente, o perfil do facebook pode ser mais ou menos construído, mais ou menos conscientemente, em função da imagem que se quer transmitir ao público, sendo certo que ninguém publicará conteúdos que evidenciem os seus defeitos e fragilidades, mas pelo contrário, tendencialmente, imagens e “estados de espírito” que contribuam para uma boa impressão sobre si.

Por outro lado, a forma de expressão permitida pelas redes sociais ou plataformas de conversação é, por natureza, limitada, ainda que usemos um smile por cada frase que escrevemos. Com efeito, a comunicação humana não se reduz à comunicação verbal, sendo a comunicação não-verbal essencial na compreensão da mensagem transmitida pelo interlocutor com quem estabelecemos interacção, revelando-se manifestamente pobre, em termos expressivos, uma conversa tida num chat via internet, em que não conseguimos observar a postura corporal da pessoa, a sua expressão facial e os gestos que espontaneamente tem enquanto conversa.

Perguntamos então: em que medida toda esta forma de interagir influi na dimensão psíquica e emocional do individuo da era digital?

Muitas vezes se não reflectirmos, vamos dando espaço, ainda que de forma pouco consciente, à ideia ilusória e superficial de que “a vida dos outros é melhor que a minha” –  já que assistimos, maioritariamente, à publicação de eventos e cenas felizes da vida das pessoas – bem como à criação de imagens superficiais e idealizadas das pessoas; por outro lado, alimentamos a necessidade de imediatismo e de resposta rápida que o computador nos proporciona, e ainda a  certas necessidades emocionais de confirmação da nossa auto-estima, tornando-nos dependentes do número de “gostos” que obtemos ao postar uma nova foto de perfil. Acresce ainda o risco de nos habituarmos a uma forma de expressão das nossas ideias simplista e descomprometida, veiculada pelo fácil mas sempre ambíguo “gosto”, habilmente caricaturado pela equipa da Rádio Comercial, conforme podemos observar no vídeo em anexo.

Ponho a descoberto esta faceta das redes sociais em jeito de reflexão e não numa atitude fechada de quem só vê seu o lado negro e obscuro, até porque este emerge ou não dependendo da atitude (passiva e acrítica ou não) do utilizador.

Sara Luísa Silva

O significado da fotografia nos seus primórdios

Para nós que nascemos num tempo em que o acesso à fotografia já se encontra plenamente (ou quase plenamente) democratizado e massificado, torna-se de algum esforço o exercício de recuarmos no tempo até à data do surgimento das primeiras fotografias, no início do século XIX, e imaginarmos exactamente o impacto dessa novidade na mundividência das pessoas que a ela assistiram, dando resposta à questão “e se eu tivesse vivido naquele século, o que significaria para mim ver pela primeira vez uma fotografia?”.

No entanto, nem por isso deixa de ser fácil a constatação de uma série de fenómenos nos campos social, cultural, artístico, filosófico, desencadeados pelo advento da fotografia.

É evidente, desde logo, que, de um modo geral, a fotografia permitiu reproduzir a realidade com níveis de exactidão e objectividade que outras formas até então usadas pelo ser humano para expressar a sua visão sobre o mundo envolvente não permitiam. Aliás, no âmbito artístico, muitos foram os artistas – em particular pintores – que se insurgiram contra a classificação da fotografia como forma de arte precisamente por considerarem que ela se reduzia ao produto de um processo químico, sendo a objectividade e fidelidade à realidade elementos perversores da própria arte, na medida em que ocupavam o espaço devido à intervenção criativa da mão humana. À semelhança do que muitas vezes sucede perante algo novo e diferente, e portanto, estranho, a fotografia, nos seus primórdios, foi alvo de desconfiança e de críticas destrutivas, vindo a ser assimilada gradualmente, não só na arte, mas com diversos outros objectivos, no quotidiano dos indivíduos, até se tornar “viral” nos nossos dias, perante a completa vulgarização da câmara fotográfica.

Fixando o olhar no século XIX, podemos ainda dizer que a captação da imagem fotográfica possibilitou uma nova dinâmica no mundo da imprensa, assim como ir mais longe na investigação científica das mais diversas áreas do saber, desde as ciências sociais e humanas – no âmbito das quais permitiu documentar a realidade de diversos estratos sociais – às ciências exactas como a medicina ou a biologia, servindo de precioso instrumento de apoio ao estudo, ao facilitar a apreensão da realidade com maior exactidão (ainda que as primeiras fotografias apresentassem uma nitidez e precisão de imagem muito relativa…)

AUTOPORTRAIT BAYARD 1839

“Autoportrait en noyé” (“Auto-retrato de um homem afogado”), de Hippolyte Bayard (1839) – o primeiro auto-retrato conhecido em fotografia, também considerada uma das primeiras fotografias de crítica e reivindicação social

De todo o modo, concluo que o ver pela primeira vez uma fotografia, no século XIX, terá sido um momento envolto em alguma “magia” – a que naturalmente é suscitada pela percepção de se poder eternizar uma imagem, seja de um espaço, seja de uma pessoa, naturalmente efémera –, permanecendo essa magia até aos nossos dias, a meu ver, sempre que, através de uma máquina profissional ou do nosso smartphone, condensamos no tempo um momento da nossa vida, por muito banal que aparente ser, e alimentamos a felicidade a ele associada, cada vez que o revivemos ao revisitarmos o álbum de fotografias.

Sara Luísa Silva

A eficiência é a mensagem – uma breve reflexão sobre parte da teoria de Marshall McLuhan

A propósito do debate suscitado numa das aulas passadas em torno da afirmação de que “o meio de comunicação é a mensagem”, proposta por McLuhan, tenho vindo a reflectir sobre como e em que medida a afirmação de certos meios de comunicação, desde a do telefone ao telemóvel, passando pelo ‘boom’ das redes sociais, tem permitido confirmar esta tese.

De acordo com McLuhan, o “meio”, o próprio sistema ou instrumento de comunicação que utilizamos para comunicar não se reduz a uma mera plataforma material de veiculação de mensagens de conteúdos variadíssimos, mas, muito para além disso, comporta, em si mesmo, um conjunto de valores, reflectindo determinadas tendências sociais, comportamentais, psicológicas e culturais do individuo inserido em sociedade.

Comecemos por analisar a mensagem subjacente ao uso e difusão do telefone fixo. Julgo que não será descabido considerar que a introdução do telefone nos sistemas de comunicação, em finais do século XIX, reflectiu a aceleração do ritmo de vida da sociedade industrializada, da qual emergia uma nova dinâmica social, a vários níveis, que não se compadecia com a morosidade da correspondência pelo correio e de outras formas mais arcaicas. A exigência de rapidez e eficiência subjacente à Revolução Industrial começa a ser induzida nos indivíduos e, tal como sucede em tantos outros processos, generaliza-se, isto é, parte de uma área muito especifica – neste caso, o mundo laboral e as relações comerciais -, para se alastrar a outros círculos, designadamente o familiar e privado, os quais não funcionam de forma estanque, entrecruzando-se entre si. O telefone permitiu, entre muitíssimas outras vantagens, agilizar a comunicação entre familiares separados pela distância de milhares de km, proporcionando rapidez na transmissão de notícias, cuja recepção pelo destinatário não era conseguida, de outra forma, em tempo útil: por exemplo, não seria raro, antes da difusão do telefone, que um emigrante português no Brasil tivesse conhecimento da notícia da morte de um familiar apenas passadas várias semanas após o acontecimento. À medida que se verificam avanços na tecnologia e se encurta o tempo de execução de diversas tarefas, também se criam novas necessidades que se sucedem umas atrás das outras, numa espiral crescente e incessável de exigência.

Se o telefone encurtou distâncias e acelerou a comunicação, o telemóvel veio contribuir ainda mais decisivamente para a ‘ditadura’ da rapidez e instantaneidade da comunicação, sendo simultaneamente causa e consequência da velocidade e imediatismo a que nos habituamos nas mais diversas tarefas e processos do quotidiano da actualidade. Como tudo na vida, os benefícios do telemóvel tornar-se-ão mais ou menos evidentes, consoante o uso que lhe dermos. Se é verdade que o telemóvel permite agilizar e flexibilizar uma série de procedimentos quotidianos, também não podemos deixar de observar que por vezes é convertido num estorvo à eficiência e boa gestão do tempo, quando, por exemplo, o cumprimento de um compromisso marcado com mais de 2h de antecedência fica dependente da confirmação efectiva no minuto anterior à hora marcada de que a outra pessoa se vai encontrar no sítio combinado.

Embora não seja minha intenção, nesta brevíssima reflexão, proceder a uma análise exaustiva e cientificamente suportada acerca dos efeitos sociais e psicológicos da invenção do telemóvel, a verdade é que em diversas situações do nosso quotidiano podemos verificar “empiricamente” que o imediatismo subjacente a esta forma de comunicação (bem como a outras, de que são exemplo as redes sociais) potencia uma forma de estar em relação com os outros por vezes demasiado descomprometida, e paradoxalmente, dependente. Descomprometida, na medida em que, partindo do pressuposto de que toda a gente se encontra conectada 24h por dia, por vezes não são previstas e comunicadas as mais variadas situações com a necessária antecedência, ou então são “desmarcadas em cima do joelho”, seja uma reunião de trabalho, seja um encontro informal entre amigos; dependente, na medida em que muitas vezes essa forma de estar se traduz numa enorme ansiedade e avidez de deter conhecimento sobre tudo o que se está a passar ao mesmo tempo em vinte sítios diferentes, fazendo-nos estar em todo o lado e em lado nenhum, porque não é possível assimilar verdadeiramente tanta informação a acontecer ao mesmo tempo.

Talvez o tomar consciência da mensagem que subjaz aos meios de comunicação dos quais depende o bom funcionamento do nosso quotidiano actual seja o primeiro passo para que possamos encontrar um ponto de equilíbrio na sua utilização que nos permita afirmar: “a dependência não é a mensagem”.

 

Sara Luísa Silva

(re)versos das plataformas digitais

Nos nossos dias, é incontornável a centralidade assumida pela tecnologia digital no desempenho das mais diversas tarefas do nosso quotidiano, desde as mais complexas até às mais simples e triviais, como sejam o simples consultar uma pauta ou acordar ao som de um despertador incorporado no telemóvel. Tudo o que fazemos é cada vez mais mediatizado pela tecnologia digital, de tal forma que se afigura praticamente indispensável para qualquer pessoa que queira sobreviver na era digital o domínio dessas novas ferramentas. De facto, a ditar essa capacidade de nos movermos digitalmente está, desde logo, e entre outros aspectos, a crescente “onda” de conversão de grande parte dos serviços públicos e privados em plataformas digitais, on-line, em ordem a uma simplificação/ desburocratização de procedimentos. A título de exemplo, no quotidiano académico, a consulta de uma pauta, de material de apoio e das mais diversas informações passou a conseguir-se on-line, suprimindo-se a distância entre o aluno e a faculdade, assim como os aglomerados de pessoas que se juntavam ansiosamente nos átrios das faculdades, no dia em que previsivelmente seriam publicados os resultados. Este cenário não é do século passado, remonta a uma meia dúzia de anos atrás, reflexo evidente (entre muitos outros) da rapidez com que se vão pondo de parte os meios tradicionais de acesso à informação. Se, por um lado, são óbvios muitos dos benefícios inerentes à criação dessas plataformas, traduzidos essencialmente na rapidez de execução das tarefas, por outro lado, não é de descurar as suas fragilidades. Se ganhamos tempo ao não necessitarmos de nos deslocar aos serviços “físicos” para entregar um documento, a verdade é que as plataformas digitais, como qualquer objecto da criação humana, não são infalíveis, e quando a falibilidade vem à tona, vemo-nos forçados a regressar ao mundo do suporte em papel, com todos os entraves daí decorrentes para o normal funcionamento dos serviços, já que a respectiva informatização foi de tal forma profunda que se tornou irreversível para certos procedimentos, que não são concretizáveis com a entrega em mão em papel. Foi o que aconteceu há bem pouco tempo com a plataforma digital “Citius” – usada pelos profissionais da Justiça -, cuja inoperatividade durante uns escassos dias causou o caos nos tribunais.

Paralelamente, também as relações sociais e o conhecimento sobre o mundo que nos rodeia são intermediados por plataformas digitais, contribuindo decisivamente para uma nova forma de o perspectivar: deixamos de estar condicionados pela rigidez dos horários do telejornal, para termos à nossa disposição 24h por dia, on-line, uma vasta corrente de informação, veiculada por diversos sites de canais noticiosos; também as redes sociais, criadas a partir do modelo Web 2.0, contribuem para a difusão de notícias, ainda que muitas vezes o consigam de forma pouco selectiva, naturalmente ao sabor da sensibilidade e interesses de quem posta as notícias, e sem a observância de critérios de interesse público que deve nortear a intervenção do jornalista num telejornal (o que também nem sempre acontece, se tivermos em conta as notícias sensacionalistas que passam nos telejornais). Como qualquer meio ao alcance do livre arbítrio humano, o Facebook, Youtube e tantas outras redes sociais e canais de informação, podem ser usados de forma muito útil e positiva para o indivíduo e para a sociedade, ou de uma forma menos socialmente comprometida (sem que seja minha intenção “diabolizar” essas utilizações mais supérfluas). Podem ou não criar mundos à parte do real, dependendo da intenção que move o seu utilizador, sendo certo que muitas vezes são uma mais-valia na divulgação de eventos, ideias e projectos de grande interesse, e um reflexo do dinamismo de grupos e pessoas reais. Penso, por exemplo, nos grupos que integram as secções culturais da Associação Académica de Coimbra, cuja divulgação “em campo” é fortemente complementada pela divulgação via facebook. Uma utilização saudável das redes sociais passa talvez, em boa parte, por avaliar se as acções que tomamos enquanto facebookianos terão correspondência no mundo palpável do “cara a cara” ou se, pelo contrário, são uma exposição ostensiva e exagerada da privacidade de cada utilizador, que não aconteceria no mundo não digital.

Sara Luísa Silva


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