O significado da fotografia nos seus primórdios

Para nós que nascemos num tempo em que o acesso à fotografia já se encontra plenamente (ou quase plenamente) democratizado e massificado, torna-se de algum esforço o exercício de recuarmos no tempo até à data do surgimento das primeiras fotografias, no início do século XIX, e imaginarmos exactamente o impacto dessa novidade na mundividência das pessoas que a ela assistiram, dando resposta à questão “e se eu tivesse vivido naquele século, o que significaria para mim ver pela primeira vez uma fotografia?”.

No entanto, nem por isso deixa de ser fácil a constatação de uma série de fenómenos nos campos social, cultural, artístico, filosófico, desencadeados pelo advento da fotografia.

É evidente, desde logo, que, de um modo geral, a fotografia permitiu reproduzir a realidade com níveis de exactidão e objectividade que outras formas até então usadas pelo ser humano para expressar a sua visão sobre o mundo envolvente não permitiam. Aliás, no âmbito artístico, muitos foram os artistas – em particular pintores – que se insurgiram contra a classificação da fotografia como forma de arte precisamente por considerarem que ela se reduzia ao produto de um processo químico, sendo a objectividade e fidelidade à realidade elementos perversores da própria arte, na medida em que ocupavam o espaço devido à intervenção criativa da mão humana. À semelhança do que muitas vezes sucede perante algo novo e diferente, e portanto, estranho, a fotografia, nos seus primórdios, foi alvo de desconfiança e de críticas destrutivas, vindo a ser assimilada gradualmente, não só na arte, mas com diversos outros objectivos, no quotidiano dos indivíduos, até se tornar “viral” nos nossos dias, perante a completa vulgarização da câmara fotográfica.

Fixando o olhar no século XIX, podemos ainda dizer que a captação da imagem fotográfica possibilitou uma nova dinâmica no mundo da imprensa, assim como ir mais longe na investigação científica das mais diversas áreas do saber, desde as ciências sociais e humanas – no âmbito das quais permitiu documentar a realidade de diversos estratos sociais – às ciências exactas como a medicina ou a biologia, servindo de precioso instrumento de apoio ao estudo, ao facilitar a apreensão da realidade com maior exactidão (ainda que as primeiras fotografias apresentassem uma nitidez e precisão de imagem muito relativa…)

AUTOPORTRAIT BAYARD 1839

“Autoportrait en noyé” (“Auto-retrato de um homem afogado”), de Hippolyte Bayard (1839) – o primeiro auto-retrato conhecido em fotografia, também considerada uma das primeiras fotografias de crítica e reivindicação social

De todo o modo, concluo que o ver pela primeira vez uma fotografia, no século XIX, terá sido um momento envolto em alguma “magia” – a que naturalmente é suscitada pela percepção de se poder eternizar uma imagem, seja de um espaço, seja de uma pessoa, naturalmente efémera –, permanecendo essa magia até aos nossos dias, a meu ver, sempre que, através de uma máquina profissional ou do nosso smartphone, condensamos no tempo um momento da nossa vida, por muito banal que aparente ser, e alimentamos a felicidade a ele associada, cada vez que o revivemos ao revisitarmos o álbum de fotografias.

Sara Luísa Silva


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