Abriu a primeira clínica para viciados em tecnologia. É em Londres e tem um programa medicamente assistido. 28 dias é o tempo necessário para curar a dependência.
Ana Soromenho (www.expresso.pt)
11:38 Quarta-feira, 7 de Abril de 2010
A expressão viciados em tecnologia não é uma metáfora. É uma patologia que existe mesmo e já tem tratamento especializado com assistência médica.
Esta dependência revela-se numa irritabilidade latente e numa grande agitação quando privados de jogos ou de sites, ou quando começa a haver uma grande preocupação de aceder a sites e responder a mensagens, a ponto de começar a interferir e prejudicar a vida social e profissional.
A primeira clínica de reabilitação para dependentes da Internet, de telemóveis e jogos de computador abriu recentemente em Inglaterra no Hospital Capio Nightingale, no centro de Londres.
Segundo Richard Graham, responsável por este programa de reabilitação, o tratamento dura 28 dias e destina-se sobretudo a jovens dependentes em jogos de computador on-line e em redes sociais.
O tratamento, que não tem o objectivo de afastar totalmente o paciente da tecnologia, segue um modelo de terapia clássica e tem três fases: Primeiro inicia-se um processo intensivo de terapia clínica entre médico e pacientes a fim de perceber o mundo familiar e as dificuldades de sociabilização. A fase seguinte, trata exclusivamente do relacionamento dos pacientes com as “máquinas” para que se possa conseguir desligar qualquer tipo de aparelho que crie dependência. Por último, iniciar um programa de rotina e de actividade longe do computador os das consolas.
A clínica não tem presença on-line, mas dentro da página do hospital há um um site onde os visitantes podem aceder e fazer o teste para medir o seu nível de dependência. Os números de verdadeiros viciados em tecnologia ainda não são muito elevados mas, segundo estudos feitos nesta área a tendência será aumentar.
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No contexto da temática da disciplina – os novos média – e da última matéria que temos vindo a estudar, faz sentido partilhar convosco a notícia acima exposta.
Há uma necessidade inerente ao Homem de comunicar, seja por que meio for. Como tal, o processo de comunicação do sujeito pós-moderno consiste numa coabitação ultra-mediada. Como sabemos, a máquina deixa de ser um simples contentor de dados informativos, para se tornar num centro de redes de partilha de informação. Deste modo, o sujeito, submerso em informação, vê-se livre para ser – ou seja, vê-se capaz de criar um «eu» virtual moldável – por meio de um conjunto de dados que se lhe atribui a si mesmo, para poder por fim, comunicar a qualquer instante. Como viemos a abordar nas aulas, segundo a teoria de Sherry Turckle, «a conectividade electrónica constante, e à distância, resulta na remediação digital do sujeito, o que torna possível aferir-se uma reconfiguração da sociabilidade».
Leiamos na notícia: o primeiro passo para o tratamento de indivíduos viciados numa ligação permanente aos dispositivos tecnológicos é o diálogo «entre médico e pacientes a fim de perceber o mundo familiar e as dificuldades de sociabilização». O indivíduo está portanto ligado constantemente com o dispositivo tecnológico, e consequentemente, a outras pessoas que se encontram do outro lado, à distância; no entanto, tem ainda dificuldades de sociabilidade. Vejamos: a expressão do «eu» no mundo real – o mundo familiar, escolar, profissional, etc, será bastante diferente da do mundo virtual, onde há, como referi, a possibilidade da criação de uma identidade virtual, que não necessariamente a verdadeira. A inadaptação ao mundo onde se vive leva à procura de um escudo protector, que será assim a fronteira electrónica. Aí, ao se ver livre de quaisquer juízos de valor, o indivíduo pode seleccionar com quem quer trocar correspondência, pelo que será “mais fácil” de conseguir um largo leque de afinidades. “The second Self”: o computador como objecto da projecção pessoal – a máxima da «ubiquidade do sujeito» de que trata então Sherry Turkle verifica-se neste ponto, onde explana que os indivíduos estão em co-presença, mas ainda assim alienados deles, e do seu mundo real.
«A fase seguinte, trata exclusivamente do relacionamento dos pacientes com as “máquinas” para que se possa conseguir desligar qualquer tipo de aparelho que crie dependência» – o indivíduo torna-se a extensão da máquina, ou vice-versa. Chegado a certo ponto de habituação intermediada, o auto-consciente prolonga-se por uma dependência mediada. E como discutimos nas aulas, essa dependência torna-se como um marco de identidade do sujeito, sendo que o dispositivo técnico contribui para a construção desta. Num primeiro ponto de vista, nós, enquanto os criadores da máquina, demos origem a um meio mais prático de criar e armazenar informação, com o objectivo principal de poder comunicá-la, aproximando o nosso mundo, que desde sempre esteve sedento de conhecimento. Por outro lado, e generalizando, temos deixado que a máquina controle o nosso sentido de nós: num processo constante de adaptação da máquina às nossas necessidades inter-comunicativas, esta evolução de que somos responsáveis, está a sugerir, cada vez mais, uma perda da capacidade da formação do sujeito, dando a possibilidade da sua fragmentação.
A fase final do tratamento engloba um processo de co-existência sem a intervenção de computadores ou consolas, o que possibilita uma nova formação do sujeito, outrora viciado no mundo virtual. O processo de sociabilidade, no contexto da realidade, não é fácil quando se sente que não se é forte o suficiente para o enfrentar na sua susceptibilidade. Todavia, o mundo virtual terá de deixar de ser um escudo protector, pelo que a solução passa por procurar um outro escudo, que possibilite uma nova interacção. Todos sabemos que o mundo não é fácil, nem nunca o foi, pois o sujeito também não é.
Anabela R.
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