Estamos numa altura em que se debate muito sobre qual o verdadeiro papel da internet, ou melhor, das suas possibilidades de ligação, na sociedade em geral. Se é algo que vem revolucionar a nossa forma de comunicar ou falar ou nem por isso; se é algo que irá impulsionar os movimentos intelectuais e a proliferação das democracias por todo o mundo ou se não passa de um meio de propagação da dita cultura de massas; se nos está a ligar cada vez mais ou a afastar-nos uns dos outros drasticamente. Estas são só algumas questões.
E não é fácil conseguir um consenso, nem mesmo entre académicos que estudem áreas relacionadas com estes problemas. Por exemplo, no caso da linguagem. Se por um lado ouvimos e vemos professores de línguas por todo o mundo a tentar evidenciar que as crianças hoje não sabem escrever correctamente porque estão viciadas nas formas textuais que utilizam na internet ou nos telemóveis, por outro Davida Crystal diz-nos que nada disso é novidade. Segundo explicações e estudos deste, as fórmulas de abreviação utilizadas, principalmente pelos adolescentes, são algo que já existe há séculos e, como tal, não há motivos para alerta, como ele explica num vídeo já aqui colocado [no blogue].
Relativamente à questão da proliferação de conhecimento e opiniões intelectuais através da internet, também já vimos aqui um vídeo do jornalista, Evgeny Morozov, onde ele estuda “o que chama de «liberalismo-iPod»- a presunção de que a inovação tecnológica promove a liberdade, a democracia- dando exemplos concretos de formas como a Internet auxilia regimes opressivos a sufocar a dissidência.” – Explica o site da TED acerca da sua palestra.
Pois bem, ainda hoje, e porque estamos praticamente em campanha eleitoral, na revista Visão vem um artigo que aborda a relação que os partidos políticos (do “arco do poder”) têm com a propaganda on-line e com as redes sociais.
As conclusões tiradas são parecidas ao que nos diz EvgenyMorozov, pois este conclui que os regimes opressores acham mais rentável “atolar” a rede de opiniões ou conversas paralelas que proibir simplesmente a troca de ideias, o que conduz ao mesmo objectivo: abafar o diálogo. Mais ou menos o mesmo explica João Tocha, da First Five Consulting, no artigo, evidenciando alguns dos motivos para haver propaganda on-line:
Uma campanha na internet mobiliza nichos de apoiantes; (…) leva à criação de influência junto de opinion makers; (…) pode ter uma função (…) difundindo rumores sobre os apoiantes ou suscitando o debate (…).
In Visão nº 949, O Facebook (ainda) não matou a TV, por Francisco Galope
Mais à frente podemos perceber também que, afinal, não dá para ganhar claramente eleições na internet, pois a taxa de penetração desta ainda é relativamente inferior a 50% da população e nem todos os utilizadores têm idade para votar. Também nos é evidenciado o papel de remediação para que esta serve, pois, como diz Rui Calafate:
muito trabalho e muitos conteúdos (…) vêm, sobretudo, dos media tradicionais.
Idem
No final, o artigo conclui, novamente, o mesmo que EvgenyMorozov, quando utiliza o exemplo do encerramento da página de Facebook de Fernando Nobre pelos repetidos insultos nos comentários: cancelar uma página para que não haja interactividade é pior que a deixar proliferar.
É claro que a é difícil comparar as campanhas eleitorais on-line com a actuação dos regimes opressores face ao debate na rede. Seria como comparar uma galinha com uma águia. Porém, ambas são aves e têm asas. Ou seja, há pontos em comum.
Se a internet pode promover o contacto entre pessoas de diferentes contextos, a verdade é que ela tem servido mais para criar diversos nichos e grupos restritos, que se relacionam com base na semelhança de ideias e interesses.
Por outro lado, a internet é um meio. E pode ser utilizado para o bem e para o mal. Se há quem organize manifestações para derrubar ditaduras através dela, também há quem organize manifestações de apoio aos regimes através dela ou atentados terroristas convocados por e-mail. Ou simplesmente quem se infiltre nos nichos para confundir opiniões, criar divisão, desviando o essencial para o acessório, dissipando as opiniões.
Por fim, e como ideia de reflexão para outro texto, tudo fica registado para sempre, e à vista.
João Miguel C. Pereirinha